Hiroshima e Nagasaki: como foi o “inferno” no qual morreram milhares após bombas atômicas - BBC News Brasil (2024)

Hiroshima e Nagasaki: como foi o “inferno” no qual morreram milhares após bombas atômicas - BBC News Brasil (1)

  • Carlos Serrano, da BBC News Mundo
  • Internacional

Aviso: esta reportagem contém descrições e imagens que podem afetar pessoas sensíveis.

Em 1945, os Estados Unidos e o Japão se enfrentavam havia quatro anos na Guerra do Pacífico, um dos principais cenários da Segunda Guerra Mundial.

Em 26 de julho daquele ano, o presidente dos EUA, Harry Truman, deu um ultimato aos japoneses, exigindo uma "rendição incondicional".

Do contrário, disse que enfrentariam "uma destruição rápida e absoluta".

A mensagem de Truman não mencionava o uso de bombas nucleares.

No entanto, essas armas já faziam parte do arsenal à disposição dos EUA para decidir o conflito a seu favor.

Em 16 de julho de 1945, os EUA testaram com sucesso a bomba Trinity, a primeira arma nuclear a ser detonada no mundo.

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HO/AFP/GETTY HO/AFP/GETTY

"Assim que se soube que a bomba nuclear funcionava, era esperado que fossem usá-la", explicou à BBC Mundo o historiador Michael Gordin, especializado em ciências físicas da Universidade de Princeton, nos EUA, e coautor do livro A era de Hiroshima.

"A discussão entre os militares não era sobre se a bomba seria usada, mas sobre como seria usada", diz Gordin. "E a forma mais eficiente de usá-la era aquela que levasse o Japão a se render."

As razões que levaram os EUA a lançarem bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki ainda são objeto de debate, mas as consequências disso são evidentes até hoje.

Acompanhe a cronologia dos primeiros e, até agora, únicos ataques com bombas nucleares da história:

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HIROSHIMA

6 de agosto de 1945 | 8:15

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O primeiro alvo escolhido foi Hiroshima. A cidade havia sido bombardeada antes, por isso era um bom lugar para se observar os efeitos da bomba. Além disso, era a sede de uma base militar.

O Enola Gay, um bombardeiro B-29 pilotado pelo coronel Paul Tibbets, sobrevoava Hiroshima a cerca de 9,5 km de altura quando soltou a bomba Little Boy, que explodiu no ar, a aproximadamente 600 metros do solo.

"Às 8:14 era um dia de sol, às 8:15 era um inferno", descreve, em um documentário do canal Discovery, Kathleen Sullivan, diretora da Hibakusha Stories, uma organização que compila relatos de sobreviventes das bombas.

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O mecanismo interno da Little Boy funcionava como uma pistola: disparava um projétil de urânio 253 na direção de um alvo do mesmo material.

Ao se chocarem, os núcleos dos átomos das duas peças se partiram, em um processo chamado de fissão.

Essa fissão dos núcleos ocorre de maneira consecutiva, gerando uma reação em cadeia que libera energia e causa uma explosão.

A Little Boy transportava 64 quilos de urânio 235, mas a fissão teria ocorrido em somente 1,4% dessa carga.

Ainda assim, a explosão teve uma força equivalente a 15 mil toneladas de dinamite.

Para se ter uma ideia, um quilo de TNT é suficiente para destruir um carro.

A explosão causou uma onda de calor de mais de 4.000°C em um raio de cerca de 4,5 km.

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"De repente me deparei com uma gigantesca bola de fogo… e logo veio um barulho ensurdecedor. Era o ruído do universo explodindo". disse Shinji Mikamo, sobrevivente de Hiroshima, à BBC.

Acredita-se que entre 50 mil e 100 mil pessoas morreram no dia da explosão.

Uma área de 10 km2 da cidade foi devastada. A explosão foi sentida por mais de 60 km de distância.

Dois terços dos cerca de 60 mil edifícios de Hiroshima, fora reduzidos a escombros.

O calor intenso produziu incêncios que durante três dias destruíram uma área de 7 quilômetros ao redor do marco zero.

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O Japão não se rendeu.

Três dias depois, os Estados Unidos lançaram uma segunda bomba nuclear.

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NAGASAKI

9 de agosto de 1945 | 11:02

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Nagasaki não estava na lista de alvos prioritários dos EUA na guerra.

Ela era um objetivo secundário por causa de sua topografia acidentada e da proximidade de um campo de prisioneiros de guerra aliados.

Entre os alvos principais estava Kokura, uma cidade com zonas industriais e urbanas em terrenos relativamente planos.

Mas, no dia do ataque, Kokura amanheceu "coberta de neblina e fumaça", de acordo com o relatório dos pilotos.

A tripulação tinha ordens de escolher visualmente um alvo que maximizasse o alcance explosivo da bomba.

Foi por isso que eles foram a Nagasaki.

O bombardeiro Bockscar, um B-29 pilotado pelo major Charles Sweeney, lançou a bomba Fat Man, que explodiu a 500 metros do solo.

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A bomba Fat Man era feita de plutônio 239.

O material era mais fácil de ser obtido e mais eficiente do que o urânio, mas sua utilização requeria um mecanismo mais complexo.

O plutônio 239 não era puro.

Isso poderia detonar uma reação em cadeia prematura, que reduziria muito o potencial explosivo da bomba.

Foi usado um mecanismo de implosão para ativar a bomba antes que essa fissão espontânea ocorresse.

Foi usado um mecanismo de implosão para ativar a bomba antes que essa fissão espontânea ocorresse.

Foi o suficiente para liberar uma energia equivalente a 21 mil toneladas de dinamite.

A explosão foi mais forte que a de Hiroshima, mas a localização de Nagasaki, dividida entre dois vales, limitou a área de destruição.

Mesmo assim, calcula-se que entre 28 mil e 49 mil pessoas tenham morrido no dia da explosão.

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Em Nagasaki, a bomba destruiu uma área de 7,7 km2. Cerca de 40% da cidade ficou em ruínas.

Escolas, igrejas, casas e hospitais viraram escombros.

"O lugar se transformou em um mar de fogo. Era o inferno. Corpos queimados, vozes pedindo ajuda em edifícios derrubados, pessoas com as entranhas caindo do corpo…", disse à BBC Sumiteru Taniguchi, sobrevivente de Nagasaki.

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Não há números definitivos de quantas pessoas morreram por causa dos bombardeios, seja pela explosão imediata ou nos meses seguintes, devido a ferimentos e efeitos da radiação.

Os cálculos mais conservadores estimam que até dezembro de 1945 cerca de 110 mil pessoas haviam morrido em ambas as cidades.

Outros estudos afirmam que o total de vítimas no fim daquele ano pode ter ultrapassado 210 mil pessoas.

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TÓQUIO

2 de setembro de 1945

Após as bombas de Hiroshima e Nagasaki, o Japão apresentou sua rendição oficial.

"Decidimos abrir caminho para uma grande paz para todas as gerações vindouras, suportando o insuportável e sofrendo o intolerável", disse o imperador japonês Hirohito, dirigindo-se a seus súditos.

O acordo de rendição foi assinado em 2 de setembro, a bordo do navio americano USS Missouri, na Baía de Tóquio.

Assim, chegou ao fim a Segunda Guera Mundial.

A brutalidade da bomba

Em uma fração de segundo após a explosão de uma bomba atômica, são liberados raios gama, nêutrons e raios X a uma distância de 3 km.

Essas partículas invisíveis bombardeiam tudo o que encontram em seu caminho, incluindo corpos humanos, e destroem completamente suas células.

No caso da bomba de Hiroshima, por exemplo, elas foram letais para 92% das pessoas que estavam em um raio de 600 metros do marco zero.

Os sobreviventes das explosões, conhecidos como hibakusha, sofreram as consequências devastadoras do calor intenso e da radiação.

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Em um primeiro momento, sofreram queimaduras que lhes arrancaram a pele e outros tecidos.

"Senti uma dor latejante que se estendeu por todo meu corpo. Foi como se um balde de água fervendo caísse sobre mim e me arrancasse a pele", disse Shinji Mikamo, sobrevivente de Hiroshima, à BBC.

A exposição ao material radiativo lhes causou náuseas, vômitos, sangramento e queda de cabelo.

"Era tanta dor que eu sentia quando me tratavam, quando tiravam os curativos um por um, que muitas vezes eu ficava à beira de perder a consciência", relembra Senji Yamaguchi, sobrevivente de Nagasaki.

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Com o tempo, algumas pessoas da região desenvolveram cataratas e tumores malignos.

Nos cinco anos após os ataques, houve um aumento drástico nos casos de leucemia em Hiroshima e Nagasaki.

Dez anos depois dos bombardeios, a taxa de incidência de câncer de tireóide, de mama e de pulmão entre sobreviventes era mais alta que a do resto da população.

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Além disso, a saúde mental dos hibakusha foi gravemente afetada pela experiência de um ato tão atroz, pela perda de entes queridos e pelo medo de desenvolver doenças causadas pela radiação.

Alguns deles foram condenados a passar a vida confinados em hospitais.

Muitos sofreram discriminação por seu aspecto físico e pela crença de que eram portadores de doenças.

Outros viveram com um sentimento de culpa por não terem conseguido salvar parentes e amigos.

A vida depois da bomba

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"Tratei cerca de 6 mil pacientes, talvez 10 mil. Depois disso não quis continuar minha carreira. Todas as pessoas que eu vi morreram, uma após a outra. Não consegui salvar ninguém."

Shuntaro Hida, Hiroshima

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"Ainda tenho medo de que se manifestem em mim as consequências da radiação e que eu morra a qualquer momento."

Yasuaki Yamashita, Nagasaki

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"Duas pessoas muito feridas se aproximaram de mim e só diziam: ‘água, água'. Eu dei de beber a elas e, em seguida, elas morreram na minha frente. Comecei a me culpar, porque sentia que eu as tinha matado. Me senti assim por mais de 10 anos."

Keiko Ogura, Hiroshima

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"Ainda sinto raiva de que os EUA tenham lançado a bomba contra gente inocente, gente que não tinha como se defender."

Yoshiro Yamawaki, Nagasaki

Hoje Hiroshima e Nagasaki são importantes centros comerciais e industriais no Japão.

Ambas têm praças e museus que homenageiam as vítimas das bombas.

Os hibakushas que ainda vivem têm cerca de 80 anos.

Alguns se tornaram ativistas contra a proliferação de armas nucleares e compartilham suas histórias para manter viva a lembrança dos horrores da guerra.

A devastação causada por Little Boy e Fat Man é objeto, até hoje, de um intenso debate sobre se foi necessário um ataque dessa magnitude sobre a população civil.

Desde então, nenhum outro país se atreveu a usar uma bomba atômica em um conflito armado.

Reportagem: Carlos Serrano
Edição: Carol Olona
Design e gráficos: Cecilia Tombesi
Programação: Catriona Morrison, Becky Rush e Marta Martí
Colaboração editorial: Camilla Costa
Com a colaboração de Adam Allen e Sally Morales
Projeto liderado por Carol Olona

Fontes: BBC News; Atomic Heritage Foundation; Atomic Archive; Campanha Internacional para Abolição de Armas Nucleares; Nuke Map, Getty Images. Alex Wellerstein, especialista do Instituto Tecnológico Stevens; Luli van der Does, professora do Centro para a Paz da Universidade de Hiroshima; Hibiki Yamaguchi, pesquisador do Centro para a abolição de armas nucleares da Universidade de Nagasaki; Yuka Kamite, professora da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Hiroshima; Michael Gordin, professor da Universidade de Princeton.

Vídeos das explosões de Hiroshima e Nagasaki cortesia de Los Alamos National Laboratory.

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